home

search

Capítulo 10 – O Começo da Jornada

  Meus olhos se abrem lentamente, como se estivessem presos a uma névoa espessa. A luz que entra pela fresta da janela é fraca, quase inexistente, e minha vis?o está emba?ada, como se eu estivesse vendo o mundo através de um véu úmido. Minha mente ainda parece mergulhada na escurid?o do sono, pesada e confusa, como se tivesse sido arrancada de um abismo profundo. Sinto meu corpo revigorado, mas estranhamente pesado, como se tivesse dormido por dias, talvez semanas. Cada músculo parece ter sido reconstruído, cada nervo reavivado, mas há uma estranha sensa??o de vazio, como se algo crucial tivesse sido arrancado de mim.

  Mas ent?o, como um relampago cortando a escurid?o, a lembran?a do que aconteceu antes de eu apagar me atinge com a for?a de um soco no est?mago. Meu cora??o dispara, batendo com tanta for?a que parece querer escapar do meu peito. Aiza! Onde está Aiza? O que aconteceu com ela?

  Abro os olhos de vez, e a realidade ao meu redor se materializa lentamente. Estou deitado em uma cama velha e surrada, cujo colch?o é t?o duro que mal faz diferen?a entre ele e o ch?o. O cheiro de madeira úmida e mofo impregna o ar, um odor denso e pesado que parece se infiltrar em cada poro do meu corpo. Olho ao redor, tentando me orientar, e vejo que estou em um c?modo pequeno, uma casa humilde e simples, onde tudo parece gasto pelo tempo, como se o próprio tempo tivesse se cansado de existir ali.

  Há uma lareira de pedra no canto, servindo como fog?o improvisado. Sobre ela, um caldeir?o exala um cheiro forte e estranho, algo entre ervas queimadas e carne defumada, um aroma que me faz sentir náuseas. Perto dali, uma mesa de madeira apodrecida está coberta de rachaduras e marcas do tempo, como cicatrizes que contam histórias de décadas de uso e abandono. As paredes s?o de pedra e madeira envelhecidas, e o teto range levemente a cada rajada de vento, como se estivesse sussurrando segredos antigos.

  Meus olhos percorrem o ch?o, e um arrepio sobe pela minha espinha. Ratos. Baratas. Poeira e sujeira cobrindo cada centímetro do ch?o. Nojo. Um sentimento profundo e visceral de repulsa me invade, como se a própria sujeira estivesse tentando me engolir.

  Levanto-me rapidamente da cama, ignorando a tontura momentanea que faz minha vis?o escurecer por um instante, e caminho apressado até a porta, tentando n?o tocar no ch?o por muito tempo. Cada passo parece um desafio, como se o ch?o estivesse coberto de espinhos invisíveis. Ao sair, respiro fundo, inalando o ar fresco do lado de fora. Finalmente, longe daquele chiqueiro imundo. O ar fresco é como um bálsamo para minha alma, limpando um pouco da sujeira que parece ter se impregnado em mim.

  Mas antes que eu pudesse me acalmar, um grito corta o silêncio.

  — AAAAAAAH!

  Meu corpo reage antes da minha mente processar o som. A voz aguda e familiar de Aiza ecoa novamente:

  — AAAAAAAH!

  N?o há dúvidas. é ela.

  O panico me domina, uma onda de adrenalina que faz meu cora??o disparar e minhas pernas se moverem sozinhas. Corro o mais rápido que posso em dire??o ao grito, sem sequer pensar no que posso encontrar. O pior cenário passa pela minha mente, imagens horríveis de Aiza ferida, sangrando, gritando por ajuda. Cada passo parece uma eternidade, cada batida do meu cora??o um martelo batendo em meu peito.

  Quando finalmente chego ao local, me deparo com uma cena inesperada.

  Aiza está de pé, segurando uma espada de madeira, ofegante. à sua frente, Kael segura outra espada de madeira, observando-a com calma. Eles est?o lutando.

  Ou melhor, parece uma luta.

  Mas mesmo sem entender de combate, percebo que Kael n?o está usando nem uma fra??o do poder que demonstrou ao matar aquelas feras. Seus movimentos s?o lentos, calculados, como se estivesse apenas brincando com ela. Aiza, por outro lado, está concentrada, seus olhos fixos em Kael, sua respira??o ofegante, mas determinada.

  — AIZA! VOCê ESTá BEM?! — grito, ainda ofegante, minha voz ecoando no ar.

  No instante em que minha voz atinge os ouvidos de Aiza, os olhos dela brilham por um momento. Como se todo o medo e incerteza tivessem sido substituídos por alívio. Ela se vira para mim, e por um breve momento, parece que o mundo para.

  Stolen from its original source, this story is not meant to be on Amazon; report any sightings.

  Sem hesitar, ela solta a espada e corre até mim, jogando-se em meus bra?os.

  — Lucas! Eu estou t?o feliz que você está bem! Eu... eu n?o quero te perder também! — Ela diz, solu?ando, suas lágrimas quentes molhando minha camisa.

  Fico paralisado por um instante. Suas palavras atingem algo dentro de mim, uma corda que eu nem sabia que existia. Eu sempre fui rude com Aiza. Sempre a tratei como um inc?modo, como alguém que estava sempre no meu caminho. Mas agora... agora eu vejo o quanto ela se importa comigo. O quanto ela precisa de mim.

  Acaricio sua cabe?a com cuidado, sentindo seus cabelos macios sob meus dedos, e murmuro:

  — N?o se preocupe. Você nunca vai me perder.

  Aiza aperta o abra?o por um momento antes de se afastar, secando as lágrimas com as m?os. Mas quando levanto a cabe?a, vejo Kael se aproximando.

  E ent?o, meu corpo reage sozinho.

  Meu cora??o acelera, minhas pernas travam, e um frio cortante percorre minha espinha. Cada passo que Kael dá em minha dire??o aumenta a sensa??o de perigo, como se uma presen?a sufocante me esmagasse. Ele n?o fez nada. Mas só sua aura... só sua existência já é esmagadora.

  Minha respira??o se torna irregular, meu corpo treme, meus joelhos fraquejam.

  E ent?o eu caio no ch?o.

  — O que... o que você quer?! — minha voz sai trêmula, e eu quase choro.

  Kael para à minha frente, me olhando de cima. Sua presen?a é como um predador observando uma presa indefesa.

  — Você dormiu por três dias. E quase morreu nesses três dias.

  Minha mente congela. Três dias? Eu estive inconsciente por três dias inteiros?!

  Olho para Aiza, que parece confusa com a situa??o.

  — O que está acontecendo, Lucas? Levanta! — ela diz, sem perceber o terror que me paralisa.

  Respiro fundo e for?o minha voz:

  — Como assim eu dormi por três dias?! E como eu quase morri?!

  Kael cruza os bra?os, sua express?o impassível.

  — Quando entramos na caverna, você foi picado por uma cobra venenosa. Eu a matei e trouxe você e sua irm? para cá para te curar.

  A lembran?a atinge minha mente como um relampago. A dor. A fraqueza. O escurecimento da vis?o. Ent?o foi isso que aconteceu...

  Aiza se vira para mim, sorrindo com confian?a.

  — E enquanto você dormia, ele me curou! E me treinou! Agora eu vou ficar forte igual a ele!

  Olho para Kael. Minha garganta seca. Me curvo no ch?o, em um gesto de gratid?o.

  — Obrigado, Kael. Obrigado por nos salvar. Eu realmente agrade?o, do fundo do meu cora??o.

  Kael observa meu gesto por um momento antes de responder com frieza:

  — Mas eu n?o salvei vocês à toa.

  Meu corpo se tenciona.

  — Você e sua irm? s?o parentes da princesa Ayesha.

  Meu cora??o para por um instante. Como ele descobriu?!

  — Sim... e o que tem isso? N?o temos dinheiro nem nada para te oferecer...

  Kael suspira e cruza os bra?os.

  — Cinco dias atrás, Luiza, a segunda princesa, foi dada como morta em um ataque a uma cidade. Sobreviventes afirmaram ter visto duas crian?as ativando um portal e fugindo. Quando você me contou sobre a porta de portal, minhas suspeitas se confirmaram.

  O mundo ao meu redor para.

  Minha vis?o escurece.

  Minha m?e... morreu...?

  — N-N?o... n?o pode ser...

  Meu corpo treme. Meus olhos ardem. Aiza solta um solu?o, caindo no ch?o em prantos.

  — POR QUE VOCê ESTá MENTINDO?! — grito, minha voz embargada de desespero, rasgando o ar como um grito de guerra. Cada palavra sai carregada de dor, de incredulidade, de uma raiva que queima como fogo no meu peito. Meus punhos est?o cerrados, minhas unhas cavando na palma das m?os, mas a dor física n?o se compara ao turbilh?o de emo??es que me consome.

  Kael me encara com uma frieza inabalável, seus olhos como gelo, impenetráveis. Ele n?o se move, n?o hesita, como se minhas palavras fossem apenas vento batendo contra uma montanha.

  — O corpo dela foi encontrado — ele diz, sua voz grave e lenta, cada palavra caindo como uma martelada no meu cora??o. — Desfigurado. Sem um bra?o.

  Meu peito aperta, como se uma m?o invisível estivesse esmagando meus pulm?es, roubando meu f?lego. Minha vis?o emba?a, e por um momento, o mundo ao meu redor parece desmoronar. Minha m?e. Minha doce m?e... sempre t?o amorosa, sempre t?o forte. Ela n?o merecia isso. Ela n?o merecia um fim t?o cruel.

  E ela estava grávida... Meu irm?o... meu irm?o que nunca teve a chance de ver o mundo, de sentir o sol no rosto, de ouvir a voz da m?e que tanto o amava. Uma vida inteira, roubada antes mesmo de come?ar.

  As lágrimas escorrem pelo meu rosto, quentes e amargas, e eu me agarro ao ch?o, minhas m?os cavando a terra como se pudessem encontrar algo sólido para me segurar. Mas n?o há nada. Apenas um vazio, um buraco que cresce dentro de mim, devorando tudo o que eu sou, tudo o que eu tinha.

  Mas ent?o, algo dentro de mim muda.

  é como se uma faísca acendesse no meio da escurid?o, pequena, mas intensa. A raiva, a dor, o desespero... eles n?o desaparecem, mas se transformam. Eles se fundem em algo novo, algo mais forte. Algo que queima com uma intensidade que eu nunca senti antes.

  Se eu fosse forte... se eu fosse mais forte, poderia ter protegido todos eles!

  A ideia ecoa na minha mente, repetindo-se como um mantra. Eu n?o posso mudar o passado. N?o posso trazer minha m?e de volta. N?o posso dar ao meu irm?o a vida que ele merecia. Mas eu posso garantir que isso nunca aconte?a de novo. Eu posso me tornar forte o suficiente para proteger quem ainda resta. Para proteger Aiza.

  Levanto-me com os punhos cerrados, minhas pernas tremendo, mas firmes. Olho para Kael, meu olhar agora carregado de uma determina??o que nem eu sabia que tinha.

  — Kael... me treine — digo, minha voz firme, embora ainda embargada pela emo??o. Cada palavra sai como um juramento, uma promessa que eu sei que n?o posso quebrar.

  Kael estreita os olhos, estudando-me com uma intensidade que faz meu cora??o acelerar. Ele n?o responde imediatamente, como se estivesse avaliando cada centímetro do meu ser, cada peda?o da minha alma.

  — N?o será fácil — ele finalmente diz, sua voz t?o fria quanto antes, mas agora carregada de um peso diferente. Um peso que eu sinto em cada palavra. — Você vai sofrer. Vai querer desistir. Vai questionar se tudo isso vale a pena.

  Sinto meu corpo queimando com determina??o, como se cada fibra do meu ser estivesse gritando em uníssono. Eu n?o me importo com o sofrimento. N?o me importo com a dor. Nada pode ser pior do que o vazio que sinto agora.

  — N?o importa — respondo, minha voz clara e firme, sem hesita??o. — Dou minha palavra. Eu ficarei forte. E darei minha vida por esse juramento.

  Kael me encara por um longo momento, seus olhos escaneando o meu rosto como se procurasse alguma falha, alguma fraqueza. Mas eu n?o vou fraquejar. N?o posso.

  Finalmente, ele acena com a cabe?a, um gesto quase imperceptível, mas cheio de significado.

  — Ent?o vamos ver até onde essa sua determina??o pode te levar — ele diz, sua voz ainda fria, mas agora com um tom que quase parece... respeito.

  E assim, come?a a minha jornada. Uma jornada que eu sei que será cheia de dor, de sacrifício, de desafios que v?o testar cada peda?o do meu ser. Mas eu n?o vou desistir. N?o posso.

  Porque agora, mais do que nunca, eu tenho algo pelo que lutar. Alguém para proteger. E eu juro, com tudo o que eu sou, que nunca vou falhar novamente.

Recommended Popular Novels